Superação e Solidariedade: Minha Jornada na UTM (Patrícia Hara)
- Douglas da Cunha
- 19 de mar.
- 5 min de leitura
Uma experiência inesquecível de desafio, aprendizado e acolhimento na Ultra Trail Mantiqueira. Entre quedas, dores e momentos de força mental, compartilho como o espírito do trail e a solidariedade de desconhecidos tornaram essa prova um marco em minha jornada esportiva, palavras da Atleta Patrícia Hara

Minha Motivação Minha motivação para participar da UTM veio do convite de um amigo, o Marcondes, que é ultra experiente. Sou nova no trail – comecei a treinar em novembro de 2024. Como iniciante, escolhi os 50 km, enquanto outros veteranos do grupo encararam os 100 km. A UTM também serviu como treino para minha grande prova-alvo em agosto: a "La Misión". Muitos me avisaram sobre a dificuldade da prova, mas estou me preparando física e mentalmente para esse desafio.
A Queda e o Impacto O acidente aconteceu da seguinte maneira: inicialmente, eu achava que tinha caído no quilômetro oito, mas depois percebi que a queda ocorreu entre os quilômetros dez e onze, quando o ritmo ficou bem mais lento. Fiquei parada ali por cerca de vinte minutos.
Eu estava correndo em uma leve subida, não era descida, e aproveitando para treinar com o bastão, já que não estou acostumada a usá-lo. Foi então que tropecei. Em vez de jogar o bastão para o lado e projetar as mãos para frente, acabei caindo com o bastão e projetei o rosto para frente. Por isso, meu rosto ficou ralado.
Lembro que fiquei desesperada ao passar a mão no rosto para verificar o machucado e ver minha mão toda ensanguentada. Comecei a gritar de desespero. A sensação era de que o rosto inteiro estava queimando, como se tivesse sido arrancado. Ralei o nariz, a bochecha direita, a região do bigode e ainda tive uma pancada no olho, que ficou roxo na parte inferior.
Logo após a queda, comecei a gritar: "Eu caí, eu caí, eu caí!" Felizmente, havia umas quatro pessoas por perto que me ajudaram. Eles me sentaram e me acalmaram, dizendo que era apenas um arranhão. Perguntaram se eu queria continuar na prova ou se preferia que chamassem o resgate. Eu disse que continuaria.
Eles colocaram uma gaze na região do bigode para estancar o sangue e um curativo no olho. Me orientaram a retirar a gaze após cerca de vinte minutos, já que ela era apenas para conter o sangramento inicial.
Depois disso, seguimos em frente. Pouco tempo depois, encontramos o pessoal que estava tirando fotos. Até me perguntaram se eu queria que o fotógrafo me levasse até Passa Quatro, mas recusei e disse que continuaria na prova. Ele seguiu adiante, tirou algumas fotos nossas e seguimos.
Foi assim que aconteceu, entre os quilômetros dez e onze. Sangrou bastante, mas consegui seguir em frente.

Lidando com o Desconforto e a Dor Para lidar com o desconforto durante a prova, acredito que o fator mental é essencial. O desejo de continuar é indiscutível. Foi isso, aliado à companhia de um grupo tão especial, que me fez completar quase 40 quilômetros. Apesar da dor que sentia, às vezes eu esquecia dela por causa da energia positiva do grupo.
Estávamos eu e os dois Paulos – o Paulinho Ultra e o Paulo Bifano. O Paulo Bifano é de Sorocaba, um cara incrível. Ele fazia piadas, brincava, e isso me ajudava a esquecer o machucado. Mais tarde, juntaram-se ao nosso grupo o Marcos e, no final, um triatleta cujo nome não me recordo. O apoio e as risadas que trocamos fizeram com que o desconforto fosse amenizado.
Enfrentando a Dor Ao enfrentar o ferimento no rosto durante a UTM, foi essencial manter a mentalidade forte. Eu não tomei remédios para a dor porque queria ficar alerta, já que era minha primeira prova noturna. Também me inspirei no livro Nada Pode Me Ferir, do David Goggins, onde ele narra momentos extremos, como correr com o pé quebrado. Isso reforçou minha mentalidade: se ele conseguiu, eu também posso superar os desafios. Enquanto tivesse condições de prosseguir, eu seguiria em frente.
O Momento Mais Difícil da Prova O momento mais difícil da prova foi no PC (Posto de Controle), quando paramos em um boteco para eu usar o banheiro. Ali percebi o quão grave era a situação do meu rosto, pois as pessoas me olhavam com expressões de espanto. Foi quando eu fraquejei e chorei muito – um choro sentido, vindo do coração.
No entanto, os meninos foram extremamente gentis e amorosos comigo naquele momento. Eles me acolheram com palavras gentis e me deram força. Recebi ontem uma foto desse momento, no PC 36, e isso só reforçou a lembrança do acolhimento que recebi ali. Para mim, foi inesquecível. Imagine, pessoas que você nunca viu na vida, mostrando tanto carinho e solidariedade.
Entre eles estava o Paulinho, que tem um perfil de "generalzão" – um atleta super experiente e imponente –, e ainda assim, ele me consolou de uma maneira tão doce. Senti-me abraçada, cuidada, e isso me marcou profundamente. Aquele foi o melhor momento da prova para mim, porque simbolizou o que é acolhimento, solidariedade e essa energia única do trail.
O Segundo Momento Mais Difícil Outro momento de grande dificuldade foi nos dez quilômetros finais, após o último PC. Eu estava sozinha, era minha primeira prova noturna, e o breu absoluto e o silêncio me causaram muito medo. Era impressionante olhar para os lados e não ver absolutamente nada, apenas escuridão. Faltavam apenas cinco quilômetros para Passa Quatro, mas parecia que nunca chegariam. Foi um desafio imenso.
No entanto, algo me deu forças: antes disso, no Morro do Assovio, conheci uma atleta chamada Nerya. Ela me ultrapassou durante o trecho e seguiu na frente. Saber que uma mulher tinha passado por aquele caminho sozinha me deu alento e me fez continuar, mesmo com todo o medo e a vulnerabilidade.
O Impacto Esses dois momentos marcaram a prova de maneiras diferentes: o primeiro, pelo acolhimento e amor que recebi de pessoas inesperadas; o segundo, pela força mental e inspiração que encontrei ao ver outra mulher enfrentando o mesmo desafio. Foi uma jornada de superação, aprendizado e conexão com o esporte.

A Força do Trail e o Ambiente Essa experiência só reforçou o quanto o trail é apaixonante. As pessoas, o ambiente e a conexão que se forma são simplesmente sensacionais. É algo que vicia e faz você querer voltar. Esse acolhimento genuíno é a essência do esporte, e é isso que faz tudo valer a pena.

Conselhos para Provas de Trail Para quem deseja encarar provas de trail ou qualquer tipo de desafio desse tipo, meu conselho é simples: preparação é tudo. Primeiramente, prepare-se fisicamente, porque essas provas têm uma altimetria desafiadora. Como ex-corredora de asfalto, notei que o trail é completamente diferente. As subidas que enfrentamos no meio da natureza são surreais, nada comparado ao asfalto.
Além do físico, treine a mente. Em provas longas, é essencial ter resistência mental. Recomendo treinar por longos períodos e ler sobre histórias inspiradoras. O treinamento mental vai ajudá-lo a suportar horas de esforço. Lembre-se: só vai! Apenas continue.

Meus Próximos Objetivos Este ano, tenho duas provas-alvo. A primeira é a "La Misión", de 35 km, marcada por subidas desafiadoras e escaladas. A segunda é a Ultra BM, de 75 km, que exige muita resistência. Ambas têm suas peculiaridades, e meu objetivo é completá-las no estilo "survivor", ou seja, sem apoio externo.
Até o próximo relato!!
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